domingo, 14 de novembro de 2010

Atos Humanos


OS ATOS HUMANOS



267 Até aqui consideramos apenas os princípios extrínsecos da moralidade, isto é, os que determinaram de fora, a saber, o fim último e a lei. Estudaremos, agora, os princípios intrínsecos, isto é, interiores ao sujeito da lei, ou agente moral. Estes princípios são, de um lado, a vontade livre, que é a condição necessária dos atos humanos (por conseguinte, dos atos morais) — de outro lado, aqueles de que dependem a moralidade objetiva (ditame da razão prática) e a moral subjetiva {consciência moral), — enfim, os princípios (responsabilidade, mérito, demérito, sanção, virtudes e vícios)
que compõem as propriedades e as conseqüências dos atos humanos.

Art. I. O ATO HUMANO ENQUANTO VOLUNTÁRIO

268 Os atos humanos não podem ser atos morais a não ser que procedam da vontade livre. Seu grau de valor moral dependerá, pois. do grau de liberdade com que forem realizados.

§ 1. CONDIÇÕES DO ATO VOLUNTÁRIO

Um ato não pode ser chamado voluntário senão nas seguintes condições:

1. Deve ser espontâneo, isto é, proceder de uma tendência própria e interior à vontade, senão é coagido e forçado.

2. O fim deve ser conhecido como tal, senão o ato não é voluntário, mas natural ou instintivo, pois procede de um princípio interior cego, como é o caso da atividade vegetal ou animal.

§ 2. DIVISÕES DO ATO VOLUNTÁRIO

O ato voluntário pode ser:

1. Necessário ou livre, conforme a vontade possa ou não realizá-lo. Vimos acima que a busca da felicidade é um ato de vontade necessário.

Quando dizemos atos humanos, designamos sempre atos de vontade livre.

2. Elícito ou imputado, conforme proceda diretamente da vontade (amar, desejar) ou duma faculdade movida {ou "imputada") pela vontade (ver, pensar, escutar).

3. Direto ou indireto, conforme a vontade o realize por si mesma ou como efeito previsto de um ato desejado por si mesmo. Por exemplo, em caso de guerra, um aviador que deseje destruir uma fábrica de armamentos (voluntário direto) prevê que o bombardeio causará a destruição de casas particulares próximas das fábricas (voluntário indireto).

§ 3. GRAUS DA VOLIÇÃO

269 O grau do ato voluntário livre é proporcional ao grau de espontaneidade do ato realizado e ao grau de conhecimento do fim.

1. As causas que podem agir sobre a vontade paia diminuir ou anular a sua espontaneidade são as seguintes:

a) A paixão, quer dizer, a atração violenta para um bem sensível. A paixão que anteceda ao ato voluntário diminui ou suprime o uso da razão e, por conseguinte, a responsabilidade. A paixão que se segue ao ato voluntário, estando alimentada por um propósito deliberado, aumenta a responsabilidade.

À paixão, podemos acrescentar as propensões naturais, que resultam do temperamento: elas não suprimem, de ordinário, o livre-arbítrio, mas podem mais ou menos diminuí-lo.

b) O medo, ou perturbação mental provocada por um mal iminente. Pode ser superficial ou grave. Superficial, não suprime, mas diminui o livre-arbítrio; grave, pode chegar a suprimir a liberdade, desde que paralise a razão.



c) A violência, ou força exterior que obriga a realizar um ato que repugna a vontade. A violência não pode coagir a vontade, que, por ser interior, escapa-lhe absolutamente. Mas pode agir sobre os atos exteriores pelos quais a vontade se exprime, para produzi-los ou impedi-los. É isto que faziam os magistrados pagãos, que forçavam os cristãos, por coação física, a oferecer incenso aos falsos deuses. Estes atos de coação devem ser chamados involuntários, na medida mesma em que a vontade deixe de neles colaborar.

2. As causas que agem sobre a inteligência, para diminuir ou suprimir o conhecimento de um fim, são os diversos tipos de ignorância. A ignorância pode ser vencível ou invencível. A primeira torna o ato indiretamente voluntário, porque a negligência de tomar informações, sendo voluntária e culpável, supõe a aceitação das conseqüências da ignorância. Não pode, portanto, enganar-se pensando escapar às responsabilidades de seus atos, evitando sistematicamente esclarecer-se sobre os seus deveres.

A ignorância invencível é atualmente involuntária: por conseguinte: ela não é culpável.

ART. II. O ATO HUMANO COMO ATO MORAL

270 Os atos humanos não se manifestam apenas à nossa consciência como voluntários e livres, mas ainda como morais, quer dizer, como possuindo uma propriedade que os faz bons ou maus. Esta propriedade dos atos humanos se apresenta como sendo a um tempo objetiva (ou material), quer dizer, como qualificando o ato em si mesmo, que será objetivamente bom ou mau conforme esteja ou não de acordo com a lei moral, — e subjetiva (ou formal), quer dizer, como qualificando o ato, não mais em si mesmo, mas enquanto proceda da vontade livre e tornando-o subjetivamente bom ou mau conforme a retidão ou a falta de retidão da vontade.

§ 1. A MORALIDADE OBJETIVA

Nosso estudo do fim último e da lei moral nos mostrou que o bem e o mal, no ato humano, serão definidos objetivamente, pela conveniência ou não-conveniência deste ato com o fim último do homem. Mas como esta conveniência ou esta não-conveniência devem ser conhecidas pela razão humana, dizemos que a regra imediata do bem e do mal reside no acordo ou no desacordo dos atos morais com a razão humana.

1. O bem honesto. — Do ponto-de-vista moral, um objeto é bom ou mau em si mesmo, conforme esteja ou não proporcionado à obtenção do fim último do homem (251). É, por conseguinte, não no seu ser físico que ele deverá ser julgado aqui, mas no seu ser moral, constituído pela conformidade ou não-conformidade do ato (ou do objeto a que está ordenado e que o especifica moralmente, quer dizer: dá-lhe sua qualidade moral) com o fim último do homem.

É esta conformidade ou esta proporção do ato humano com o fim último que define propriamente o bem honesto na sua essência objetiva. Donde, podemos dizer que a moralidade objetiva resultará dos objetos ou fins imediatos da ação conforme estes fins (ou estes objetos) sejam ou não bens honestos, quer dizer, desejáveis em si mesmos e convenientes ao homem.

2. A razão prática.

a) O ditame da razão. À lei natural, como já dissemos, não importa senão princípios muito gerais. É necessário constante
mente, na prática, fazer aplicação destes princípios aos casos concretos. Esta aplicação se faz por meio de um silogismo (a maior parte do tempo, implícito), cuja maior formula o princípio geral do Direito natural, a menor define ou qualifica o ato concreto em. questão, e a conclusão pronuncia um juízo prático moral, que constitui o ditame ou sentença da razão.

Exemplo: é necessário respeitar a palavra dada. Ora. eu dei a Pedro a minha palavra de ajudá-lo com meu dinheiro. Devo, então, dar-lhe a soma de dinheiro de que ele necessita. — é necessário não cometer a injustiça. Ora, o ato de caluniar alguém seria uma injustiça. Logo, devo evitar este ato.

b) A ordem da reta razão. É a sentença que corresponde realmente, no caso concreto (por conseguinte, em vista das circunstâncias), às exigências objetivas da moralidade. É esta sentença que constitui a regra próxima da moralidade objetiva (pois a regra suprema é a lei eterna).

3. Elementos da moralidade objetiva. — Estes elementos são: o objeto, as circunstâncias e o fim.

a) O objeto. O objeto moral é a coisa que o ato realizo, diretamente por si mesmo, enquanto esta coisa é conhecida pela razão como conforme ou não à lei moral. Assim, a esmola, considerada como visando a auxiliar os desgraçados, é uma coisa moralmente boa. É este objeto que constitui a fonte primeira da moralidade.

b) As circunstâncias. Entende-se por circunstâncias todos os elementos acidentais do ato. Quando as circunstâncias são puros acidentes, quer dizer, quando são independentes da situação do agente, não são capazes de especificar o ato moral. Ao contrário, quando implicam numa intenção especial do agente, seja por, seja contra a ordem da razão, e são desejadas por si mesmas, as circunstâncias especificam o ato e podem mudar-lhe a natureza. Elas são, conforme o caso, agravantes (roubar um pobre) ou atenuantes (roubar para alimentar os filhos na miséria).

c) O fim. O fim de que falamos aqui é o fim subjetivo ou intenção, quer dizer, o fim que se propõe o agente moral na sua ação. Este fim subjetivo pode não coincidir com o fim objetivo: assim, pode-se dar esmola por uma outra razão que não o amparo dos desgraçados (que é o fim objetivo da esmola e o que lhe dá sua existência moral), por exemplo, por pura vaidade. — Vê-se assim que o valor moral dos atos lhes vem materialmente do objeto do ato exterior e formalmente do fim ou da intenção de que procedem.

4. O ato concreto. — Do que precede resulta que um ato concreto não será mortalmente bom se não estiver conforme em todos os seus elementos, objeto, intenção e circunstâncias, à regra da moralidade. —. Talvez se imagine que isto não esteja bem de acordo com a primazia da intenção. Mas isto seria esquecer que a intenção se refere ao ato por inteiro, e, por conseguinte, que ela não pode continuar boa, se o objeto e as circunstâncias tiverem alguma coisa de essencialmente mau. A intenção, que se aplica acima de tudo ao fim, não pode fazer abstração dos meios de que se utiliza. O fim nem sempre é suficiente para justificar estes meios: ele justifica os meios indiferentes em si mesmos, mas não os atos intrinsecamente maus. É o que quer dizer o adágio: "O fim não justifica os meios", quer dizer que jamais se permite fazer o mal para obter o bem.

§ 2. A MORALIDADE SUBJETIVA

271 A moralidade subjetiva é a que qualifica (ou especifica) o ato enquanto precisamente ele procede da consciência moral. É com efeito, a consciência, como regra imediata e universal da conduta, que determina, a cada um em particular, a qualidade moral de seus atos. O estudo da moralidade subjetiva é, então, propriamente, o da consciência moral.

1. Natureza da consciência moral. — Para falar com exatidão,

a consciência moral não é uma faculdade, mas um ato, a saber, o juízo que temos da moralidade de nossos atos e pelo qual decidimos em última análise o que se deve fazer ou não. Como tal, a consciência moral se exprime da conclusão do silogismo moral; ela é o último juízo prático, quer dizer, aquele que determina imediatamente a ação do ponto-de-vista moral.

A consciência consiste então, essencialmente, na apreciação de nossa própria conduta; ela testemunha que nós fazemos, fizemos ou vamos fazer bem ou mal em tal caso dado; ela nos obriga ou desobriga, aprova, desculpa ou censura.

2. Valor da consciência moral. — Na apreciação deste valor, é necessário resguardar-se de um duplo erro que seria, de uma parte, ter como infalíveis todas as injunções da consciência moral e, de outra parte, recusar-lhe sistematicamente toda autoridade.

a) A consciência moral não é infalível, fora de seus primeiros princípios universais. É o que a experiência de cada dia nos mostra muito bem, e o que quer remediar a casuística, determinando o dever e o Direito nos casos complexos da vida moral.

b) A consciência moral não é desprovida de todo valor, pois jamais variou sobre os princípios fundamentais da moralidade: neste domínio, seu valor é absoluto. Suas variações e suas contradições não existem senão no domínio das aplicações aos casos particulares da vida moral: estas aplicações podem ser defeituosas devido a circunstâncias exteriores (grau de civilização, tradições, condições de existência etc), mas, por mais defeituosas que sejam, elas se referem sempre aos grandes princípios universais da moralidade (256) e podem ser corrigidas pela formação da consciência.

3. Divisão. — A consciência moral é:

a) Reta ou falsa, conforme o juízo que tenha seja conforme ou não à moralidade objetiva, quer dizer, à lei natural e à lei eterna.

b) Certa ou duvidosa, conforme o juízo que tenha seja pronunciado sem risco de erro ou sobre uma simples probabilidade.

272 4. Formação da consciência moral.

a) Caso da consciência certa,. Agimos sempre honestamente quando temos uma consciência certa de ser lícito o ato a realizar. Para ter uma consciência legitimamente certa é necessário formar a sua consciência pela reflexão, pelo estudo da Moral, pela consulta a pessoas competentes e sábias, e sobretudo pela prática habitual das virtudes morais.

b) Caso da consciência duvidosa. Quando, após ter refletido e, se for possível, consultado pessoas competentes, a consciência fica em dúvida sobre a legitimidade de um ato, pode-se, segundo alguns, realizar o ato, se existe apenas uma probabilidade a seu favor (probabilismo), — segundo outros, não se pode realizá-lo a não ser que haja para ele uma probabilidade maior que a negativa (probabilismo), enfim, segundo outros, é necessário sempre escolher o partido mais seguro e mais confortável à lei (tutorismo).

O primeiro sistema nos parece mais verdadeiro. Se, com efeito, existe dúvida no tocante, quer à existência da lei, quer à sua, aplicação, tudo se passa como se a lei não existisse. Somos, então, livres, de agir num ou noutro sentido. — Notemos, contudo, que, para usar desta liberdade, será necessário sempre um motivo razoável, porque nenhum ato moral se justifica pelo único fato de que não foi proibido: é necessário, então, que haja ainda um objeto conforme ao fim dos atos humanos, a saber, o bem moral. — Notemos, também, que quando este ato pode fazer correr graves perigos, físicos ou morais, ao próximo ou a si mesmo, a caridade para com outro ou para consigo poderá exigir que se renuncie ao ato. Neste caso se aplica o princípio: "é necessário tomar o partido mais seguro".

ART. III. CONSEQÜÊNCIAS DOS ATOS MORAIS

273 Como os atos morais são, por essência, atos livres, quer dizer, atos nossos, desejados por nós, segue-se daí que assumimos a sua responsabilidade, que eles se tornam para nós causas de mérito ou demérito e que exigem sanções apropriadas. Além disso, a atividade moral gera hábitos, bons ou maus, que se chamam virtudes e vícios,

§ 1. A RESPONSABILIDADE

1. Noção.

a) A responsabilidade. Como o nome indica, a responsabilidade é a obrigação em que se encontra o agente moral de ”responder", por seus atos, quer dizer, de sofrer-lhes as conseqüências.

b) A imputabilidade. A responsabilidade supõe a imputabilidade, que é a propriedade em virtude da qual um ato pode com plena justiça, ser atribuído a uma pessoa como sua autora. O ato de violência imposto a um homem a quem se torce o braço à força não lhe é imputável. Ele não é, portanto, responsável.

2. Espécies. — Distinguem-se:

a) A responsabilidade moral: é a responsabilidade em que incorremos ante nossa consciência e, por conseguinte, ante Deus. Esta responsabilidade afeta todos os nossos atos morais, interiores e exteriores, públicos e privados, e até as simples intenções.

b) A responsabilidade social: é a responsabilidade em que incorremos ante as autoridades sociais, em conseqüência das infrações às leis civis. A responsabilidade civil não se aplica senão aos atos exteriores, pois a intimidade da consciência não é conhecida senão por Deus.

Existe ainda um outro tipo de responsabilidade social, que resulta da influência, boa ou má, que exercemos em torno de nós, por nossos atos,

§ 2. MÉRITO E DEMÉRITO

274 1. Noção. — A noção de mérito é complexa. Ela evoca:

a) O Direito à sanção, recompensa ou punição, conforme o ato moral seja bom ou mau.

b) O valor moral do ato ou daquele que o executa. Diz-se, com efeito, ora que tal ato é meritório, ora que alguém é uma pessoa de mérito. É no sentido de valor moral que tomamos aqui a noção de mérito, de vez que o primeiro sentido se confunde com a idéia de sanção, que estudaremos mais adiante.

2. Condições de méritos nos atos. — O valor meritório de um ato moral depende de vários fatores:

a) Da gravidade dos deveres. Quanto mais importância tenha o dever a cumprir, maior é o mérito do ato conforme ao dever. Existe mais mérito em respeitar seus pais do que ser polido com os desconhecidos, maior demérito em faltar a um dever de justiça, do que faltar a um dever impreciso de caridade.

b) Das dificuldades a vencer. O dever que impõe pesados sacrifícios é fonte de maior mérito do que o mesmo dever realizado sem dificuldade, e existe mais mérito em fazer bem aos inimigos do que em servir aos amigos.

Todavia, não se deve chegar a supor, como Kant, que o esforço é essencial ao mérito e que a satisfação na realização do dever suprime o mérito. Eis um grave erro. A satisfação no dever e no sacrifício é sinal de um grande domínio das paixões e de um verdadeiro hábito do bem, coisas que não são realizadas sem luta obstinada. Na realidade, o esforço e a dificuldade não são fontes de mérito senão acidentalmente, quer dizer, enquanto são ocasião e sinal de uma vontade mais ardente do bem.

c) Da pureza de intenção. Quanto mais a intenção for pura, mais o mérito será grande. Há maior mérito em servir aos amigos por pura cordialidade do que pelo interesse de ser tratado da mesma forma quando chegar a ocasião.

§ 3. A sanção

275 1. Noção. — A sanção nasce, como vimos, de responsabilidade, e é, no seu sentido mais geral, a recompensa ou o castigo exigidos pela observância ou violação do dever.

2. Espécies. — Distinguem-se as sanções terrestres e a sanção da vida futura. As principais sanções terrestres são: a sanção da consciência, que é a satisfação ou o desgosto (arrependimento, vergonha, remorso) que resultam, na consciência, da observância ou violação das leis morais, — a opinião pública, que estima as pessoas honestas e lança ao desprezo os iníquos, — as conseqüências naturais de nossos atos: o alcoólatra sofre uma decadência física e transmite esta decadência a seu descendente — as sanções-civis, que a sociedade civil inflige aos contraventores da lei (multas, prisão, pena de morte).

276 3. Necessidade da sanção na vida futura.

a) Insuficiência das sanções terrestres. As sanções terrestres, quer tomadas separadamente quer em conjunto, aparecem como insuficientes. A sanção da consciência seria mais pesada para as almas escrupulosas do que para os criminosos endurecidos. — A opinião pública é caprichosa, injusta e de alcance muito limitado.. — A sociedade não atinge senão os atos exteriores e está bem longe de sancionar todos os crimes que se cometem. Ela está, por outro lado, grandemente sujeita ao erro. Enfim, se ela pune, não recompensa, ou, se recompensa, é insuficiente, e por um julgamento exterior. — Quanto às conseqüências naturais dos atos morais, elas atingem muitas vezes (pela hereditariedade) aqueles que não são os autores do mal.

b) As exigências da justiça. A justiça exige que o bem seja recompensado e o mal punido. Ora, isto não pode realizar-se senão pela sanção da vida futura. Somente esta pode ser rigorosamente justa, uma vez que depende de Deus, que "sonda os rins e os corações", — realmente eficaz, porque ninguém pode escapar-lhe.

Nenhum subterfúgio daquele que é culpado, nenhum erro do juiz são agora possíveis. A justiça será restabelecida na sua integridade por aquele que, tendo estabelecido a lei, tem o Direito de exigir contas daqueles a quem elevou à dignidade de agentes morais, autores e pais de seus atos (169, 213).

c) A Moral exige Deus. É a conclusão que ressalta do estudo da sanção que mostra de novo que não existe Moral sem Deus, assim como não existe Moral sem idéia de bem e de mal.

277 4. Valor da sanção.

a) Objeção estóica e kantiana. Os estóicos, na antigüidade, e Kant, entre os modernos, admitiram que a idéia de sanção arruinaria a Moral, tornando a prática do bem interessada, enquanto que o bem não deve ser desejado e praticado a não ser por si mesmo, em razão de seu valor intrínseco.

b) Discussão. Esta objeção se apóia numa falsa noção de sanção. Ela supõe que a sanção possa ser, por si mesma e independentemente do bem, a razão última do ato. Ora, já vimos, ao contrário, que a sanção é una com o bem e o mal: ela é, enquanto felicidade ou desgraça, o aspecto subjetivo da perfeição realizada ou da decadência consumada.

Por outro lado, é bastante legítimo que o sentimento vivo da sanção, quer dizer, sempre sob o aspecto subjetivo de nosso destino moral, nos ajude e nos encoraje a fazer o bem e evitar o mal. Sem este sentimento, nossa atividade moral perderia um auxiliar precioso e mesmo necessário à procura de um destino em que não apenas a tendência racional, mas também as aspirações da sensibilidade e do coração devem encontrar acabamento e perfeição.

§ 4. A VIRTUDE E O VÍCIO

278 1. Noção. — A virtude é o hábito do bem, quer dizer, uma disposição estável para agir bem, que afeta a vontade do agente moral. — À virtude se opõe o vício, que é o hábito do mal, ou uma disposição estável para agir mal.

2. Classificação.

a) As virtudes cardinais. Podem-se classificar as virtudes de diferentes pontos-de-vista. Um princípio de classificação (adotado por Platão) pode ser tirado da importância das virtudes. Donde o nome de virtudes cardinais dado a virtudes consideradas como as primeiras de todas e a fonte das outras: prudência, coragem, temperança, justiça.

b) Virtudes naturais e virtudes morais. Esta divisão repousa no fato de que certas qualidades morais dadas pela natureza podem pertencer tanto aos desonestos quanto às pessoas honestas e direitas (por exemplo, a coragem, a prudência, as virtudes cívicas), — enquanto que as virtudes propriamente morais são aquelas que resultam de uma escolha racional e de um esforço de perfeição moral e supõem um mérito moral. Deste ponto-de-vista, todas as virtudes, cardinais e naturais, podem ser moralizadas, quer dizer, praticadas por fins propriamente morais. Assim, a temperança (que pode ser uma virtude natural) será moralizada pela intenção de se conduzir como um homem que domina as exigências desordenadas dos sentidos.

3. Origem das virtudes e dos vícios. — As virtudes e os vícios são inatos ou adquiridos? São uma coisa e outra ao mesmo tempo:

a) Inatos, enquanto encontramos em nós os germes mais ou menos fortes de todos os vícios e de todas as virtudes.

b) Adquiridas, no sentido de que não é mais do que por nossos esforços que os germes das virtudes crescem virtudes sólidas e duráveis, — e por nossa lassidão que os germes dos vícios se desenvolvem e adquirem raízes profundas.