terça-feira, 24 de abril de 2012

A FILOSOFIA VAI A ESCOLA

Encontre-me aqui ó: Assine o Blog Coloque aqui seu e-mail: Delivered by FeedBurner Hora da Coruja JUST TV – HORA DA CORUJA Entrevista no Jô Soares Consulte! Portal Brasileiro da Filosofia Centro de Estudos F. Americana Revista Redescrições Aforismos Filosofia no Dailymotion Ghiraldelli no Blogger! Ghiraldelli no Tumblr Just TV Filosofia no Youtube JUST TV Donald Davidson Davidson – Clique! Twitter filosofia A #filosofia vai à #escola: A filosofia, uma vez na escola, talvez seja o único… http://t.co/xPa2YOng about an hour ago Tags amor casamento corpo Davidson democracia Deus Dewey Dilma direita Eros escola esquerda FHC filosofia Foucault Freud gay Habermas Hegel Heidegger Jesus Kant liberalismo liberdade Locke Lula Marx mulher Nietzsche Paulo Freire Pedagogia Platão política pragmatismo professor Rawls Rorty Rousseau Serra sexo Sócrates universidade Weber Wittgenstein ética Calendário April 2012 M T W T F S S « Mar 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 A filosofia vai à escola 24/04/2012 O jovem professor Bicota havia conseguido ser empregado no Colégio de sua cidade natal. Recém empossado, botou seu avental branco e, de giz em punho, foi para a sala de aula, logo no primeiro dia do ano letivo. Albino Cotia era o nome da fera. Mas, dado que todo mundo por ali falava muito rápido, ele era chamado de “bincotia” e depois “bincota” e, enfim, “bicota”. Era professor de filosofia. Ninguém sabia o que era filosofia – ao menos naquela turma de estudantes, chegados no primeiro ano do ensino médio exatamente quando o Colégio tinha seu primeiro professor de filosofia. Era ele, o professor Bicota, de giz em punho. Bicota entrou na sala e se apresentou. Os alunos olharam, olharam … era como se estivessem em uma excursão para o zoológico, mas sem sair da sala. Ali estava um professor de filosofia com um nome estranho. Bicota! E, afinal, sabe-se lá o que ele iria falar em uma aula com um nome pouco comum: “filosofia”. Uma menina escreveu na capa do caderno: “aula de bicofia”. Talvez não fosse realmente a melhor aluna, mas não era das piores. A peixeinho da sala, loira, peitos duros de menina-moça e uma mini-saia de deixar Bicota estarrecido com a idéia de Kant ter conseguido morrer virgem, se ofereceu para fazer a chamada. Os cílios dela eram enormes e ao escutar sua voz, Bicota percebeu que poderia ter uma ereção ali mesmo, diante de todos, e mais que rapidamente se refugiou para trás da mesa. Sentou-se. Respirou e deu a caderneta para a garota, cujas mãos foram direto para as mãos dele, e só depois para a caderneta. Bicota sentiu que a ereção não seguiu seu curso, substituída pelo suor frio. Cínthia fez a chamada. Enquanto isso, Bicota colocou no quadro a palavra “Philo-sophia”. Tudo estava preparado para dizer aos garotos de como lá na Grécia antiga Pitágoras, muito provavelmente, havia sido o primeiro a usar a palavra “philosopho” e, daí, se ter a origem de Philosophia, a amizade ao saber. Mas antes mesma da chamada terminar e nem bem ele tinha posto a palavra no quadro, veio uma pergunta lá do fundo da sala, por meio de uma voz de Pokémon. “Professor, como é que se faz para acertar tudo nessa matéria e passar de ano?”. Bicota voltou-se para aquela voz. Não era só a voz de Pokémon. Era o próprio. Um menino com cara de desenho japonês, e completamente amarelo. Seria difícil, após às seis da tarde, distinguir o estudante do verdadeiro Pokémon. E isso não era o pior. O que era mesmo ruim é que a pergunta nada tinha de retórica. Não era aquela pergunta do aluno chato que, no primeiro dia, quer mostrar que ele é rebelde e que não está nem aí com a matéria, da qual quer só se livrar. Não! Os olhos do aluno mostravam que ele realmente estava preocupado. A matéria era estranha e, afinal, o que haveria de se pedir e de se responder de modo a não errar? Bicota começou a falar, mas da sua boca não saiu o que ele imaginou que deveria sair. Ele simplesmente disse: “nessa matéria, filosofia, vocês não vão fazer nada certo, se fizerem algo certo, se acertarem alguma resposta, estarão reprovados. Aqui, vocês deverão errar. Só errar.” E se empolgou: “a filosofia é o espaço do erro”. E mais: “em todas as outras disciplinas, vocês devem acertar, aqui, vocês podem errar, devem errar”. Alguns riram. Mas Bicota se manteve sério e então o riso parou. Por uns bons três minutos a sala ficou em silêncio. Bicota na mesa, e os alunos olhando para ele. O gelo foi quebrado por Cínthia, que entregando a lista de volta, disse ao mestre, fazendo charminho em estilo Sabrina Sato: “ai professor, o senhor, já vi tudo, é muito brincalhão – a gente vai ter de errar!”. Bicota levantou e como que possuído pelo demônio, pediu para que todos pegassem uma folha de papel, que daria uma prova. Não deu tempo de contestação. Alguns iam reclamar e ele ditou a primeira e única pergunta: “Você deve abandonar um cão na estrada, uma vez que vai se mudar de casa e, para onde vai, não é possível levar animal?” O tom de voz de Bicota, firme, fez os alunos não falarem mais e levarem a sério a prova. Começaram a escrever. Bicota deu-lhes poucos minutos e recolheu tudo rapidamente, e iniciou a leitura de um por um dos textos. Para cada texto lido, Bicota dizia “certo”, “certo”. Quando chegou ao último, bateu com a mão na mesa e disse: “nenhum de vocês conseguiu errar. Vocês são uns covardões. Nenhum de vocês conseguiu ter uma idéia que não fosse aquela que todos consideram como corretas. Vocês são o senso comum do senso comum, as pessoas mais previsíveis do mundo. Vocês são uns alunos muito, muito, muito chatos”. Bicota passou a cobrar o erro. Suas perguntas não davam margem para erro. Essa era a impressão que se tinha. Mas ele pedia um erro. Ele não pedia maldade. Ele pedia um erro. E assim, sua fama se espalhou pela escola. E a droga toda chegou aos ouvidos de pais e desses voltou para a escola, para cair bem na cabeça do diretor. Eis como a coisa bateu no diretor: “Lá no Colégio há um professor com nome de viado, que quer que os alunos falem o errado, não o certo”. O diretor tinha um problema para resolver. Bicota ganharia sua cota do problema. Os alunos, por sua vez, estavam todos atarantados, nenhum deles, ainda, havia tido a coragem de escrever algo com sentido, porém errado – errado mesmo. É claro que Bicota não ficou no colégio. Foi mandado embora. A secretaria da Educação autorizou o diretor a meter o pé nele. Ou era ele ou o diretor. Aliás, este também tomou sua cota de punição, por meio de uma sindicância forçada pelos pais. Os alunos ficaram sem aula de filosofia, ao menos durante um tempo. Em três meses de aula, Bicota não conseguiu fazer nenhum aluno errar, mas, em compensação, desencadeou no colégio uma sucessão de erros. Anos mais tarde, ensinando filosofia na universidade, encontrei um aluno que queria saber como passar na minha matéria. E eu disse para ele que a filosofia era “o espaço do erro”. E acrescentei que eu queria vê-lo errar. Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e co-apresentador do Programa Hora da Coruja na JUST TV.

AMIZADE , O QUE PODE SER ISTO?

Amizade, o que é isso mesmo? 23/04/2012 Um dos sinais mais marcantes de nossa época é a nossa incapacidade de darmos valor para o que, racionalmente, seria aquilo que deveríamos considerar de mais valor. Negligenciamos o que, a julgar pela nossa razão, deveria vir em primeiro lugar e nos apegamos ao que, também pela nossa razão, teríamos de colocar em um plano subalterno. Muitos dizem que assim fazemos porque “o mundo moderno é agitado”. Outros dizem que agimos dessa forma por causa da “ganância de dinheiro e poder”. E há até os que tentam alguma sociologia carcomida, falando coisas como “é o capitalismo” etc. O senso comum se refestela nessas frases. Mas, não creio que explique alguma coisa. Também não nos ajuda a mudar. Não mudamos. Nietzsche chamou os tempos modernos, tomados de certo modo não como uma época determinada, mas como um sintoma de nossa condição, como os tempos de desenvolvimento do niilismo. Os valores mais supremos teriam perdido valor. Nietzsche falava de grandes coisas. Mas ele jamais disse que sua profecia não valia também para as pequenas coisas. Nietzsche falava da metafísica, que ela havia deixado de ser importante porque pesquisar o absoluto tinha se tornado uma bobagem. Ele falava de Deus, que dizia ter morrido, já que o absoluto não mais importava. Grandes coisas. Outros pensadores preferiram tratar de pequenas coisas. Ou de coisas que haviam recebido o nome de pequenas recentemente, exatamente porque haviam caído no redemoinho do niilismo denunciado por Nietzsche e tomado por ele como um fio de sua filosofia da história. Eis uma pequena coisa: a amizade. Para Aristóteles ela tinha uma importância imensa. Para Sêneca e Cícero, então, nem se fale. Para Montaigne, ela fazia a vida valer a pena ou não valer a pena. Mas, um belo dia, acordamos sem amigos, embora abarrotados de colegas e parentes. Não foi “a vida moderna” ou “o capitalismo” ou “nossa vaidade” ou “a ganância de poder e dinheiro” que fez isso. Não! Foi simplesmente essa nossa decisão de que colegas e familiares eram amigos. Uma decisão que tomamos porque durante anos viemos mudando nosso vocabulário, desconsiderando certos elementos semânticos. Fomos paulatinamente esquecendo que ágape, philia e eros, apesar de diferentes, tinham uma mesma dimensão, todas eram amor. Não prestamos atenção nessa necessidade de ficarmos atentos para o igual e o diferente nesses termos. Desse modo, a philia, o amor de amizade, passou a ser amor, sem especificações funcionais. Esquecemos no que implicava em amar por amizade. Não lidando de maneira acurada com a semântica do amor, descuidamos dos pré-requisitos de cada tipo de amor e, no caso da amizade, acabamos por esquecer o que é que deveria surgir no mundo para se ter a amizade. Perdemos a noção do que é ser amigo. O que se deve fazer para ser amigo? O que um amigo faz para o outro amigo de modo que exista a amizade? Começamos a ver que não sabíamos mais responder tais perguntas. Os americanos caíram nisso primeiro que nós, de língua exclusivamente latina. Eles passaram a usar love para quase tudo. A minha geração não fazia isso. Não usávamos amor para quase tudo. Mas a geração atual que fala o português, no Brasil, diz “eu amo tudo isso” para um hambúrguer! Os americanos usaram friendship para namoro. Ora, a minha geração não tinha verbos como “ficar” ou “sair” no campo do amor, ou era namoro ou era amizade. Hoje, isso se perdeu. Falamos o “português americanizado”, eu diria, mais ou menos para fazer graça. Ou seja, podemos fazer sexo com amigos e amigas e não pensarmos em termos qualquer vínculo de namoro com eles. Não estou dizendo que isso é ruim ou bom. Não estou fazendo uma avaliação moralista, embora esteja falando de moral. Estou atentando para nossas transformações conversacionais, para nossa alteração semântica, de modo que possamos perceber como tais alterações nos levaram a não conseguir pronunciar a palavra “amizade” com as especificidades semânticas que ela implicava. Então, ao perdermos isso, ficamos sem entender a funcionalidade da amizade. O que é ser amigo? O que faz um amigo? Ninguém sabe. As idéias de boa vontade, confiança e lealdade a toda prova, que eram os três elementos nucleares pelos quais antigos e renascentistas louvavam a amizade, veio abaixo. Chegamos mesmo até a denegrir isso, apontando essas palavras como algo distante de qualquer virtude ou nobreza. Palavras assim caíram na oposição da palavra “justiça”. Ser leal, então, poderia significar ser o oposto de justo. E deveríamos seguir a justiça cega, não a justiça com olhos. A justiça com olhos seria amizade, lealdade, e não seria justiça. Ao opormos a lealdade à justiça, fazendo a segunda algo bom demais e acima de qualquer suspeita, jogamos a amizade para os piores lugares. Por isso, deploramos a amizade. Quando vemos a fotos de amigos, ficamos com raiva. Dizemos: “são cúmplices de algum crime”. Vemos quadrilhas onde deveríamos ver amigos. Não entendemos mais o sentido da amizade. Tudo deve ser limpo e, para ser limpo, tem de ser justo, e onde impera a justiça todo laço de amizade deve ser afastado. Criamos com isso uma sociedade formal e formalizada, que se imagina justa, mas que carece de justiça, talvez porque a justiça verdadeira não venha da não-amizade e, sim, da amizade, da ampliação da lealdade para mais pessoas do que nosso grupo de amigos iniciais (uma hipótese que compartilho com Richard Rorty). Termino com um episódio vivido por Florestan Fernandes. Tornando-se deputado e, não tendo nunca sido político, Florestan não tinha outros amigos de confiança para trabalhar com ele. Então, contratou seu filho, o jornalista Florestan Fernandes Jr., para ir para o Congresso, trabalhar no seu gabinete. Ele confiava em quem tinha de confiar: no amigo. O amigo dele era o filho dele. Eis então que denunciaram Florestan Fernandes: ele estaria promovendo o nepotismo! Florestan Fernandes Jr. teve de ser despedido e o nosso sociólogo ficou sem nenhum amigo de verdade no seu gabinete. Aquilo atrapalhou bem os serviços de Florestan e chegou a prejudicar a sua atuação como deputado. Ele não sabia trabalhar com política senão com amigos! Sua atividade como parlamentar não era uma atividade meramente burocrática e profissional, era um projeto filosófico de vida. Fazia parte de uma militância como pessoa, colocada a serviço da educação brasileira no âmbito do Congresso. Por isso, era algo pelo qual ele tinha de estar ombreado com um amigo. E seu filho era jornalista, não podia abandonar o emprego em São Paulo sem ter outro em Brasília, no qual realmente estava trabalhando – mais do que qualquer outro ali no Congresso! Florestan Fernandes, afinal, não podia ter ali ao lado dele uma profissional do tipo “secretária de recados”. Fazia-se necessário, ali, antes de tudo, a lealdade. A lealdade ali iria promover a justiça. Confundimos tudo isso e, hoje, quando esperamos encontrar um amigo, nós, os da velha guarda que ainda imaginam como possível a amizade, encontramos somente a formalidade e o ideal da justiça cega. Vivemos então de tombos em tombos. Imaginamos que alguns vão ser amigos, mas eles já há muito não sabem o que é a amizade e, pior, não a tomam como importante, não mais. A justiça que se faz contra a amizade, e que realmente quer se tornar cega, acaba mesmo não só cega, mas surda, muda e insensível. Termina por ser justiça injusta.